quarta-feira, 27 de agosto de 2008

* Raison D’être



Contrações... Elas estão se tornando cada vez mais freqüentes, apesar de acreditar estar no ápice de minha saúde, parece que meu organismo não é mais o mesmo, como se recebesse estímulos estranhos, alheios a minha percepção. Toda vez que elas acontecem tento me convencer que são apenas distúrbios de ordem natural, talvez devido as variadas influências dos ambientes ao qual sou exposto, mas meu inconsciente parece me apontar para algum processo irreversível, que apenas poderia ser discernível dentro das engrenagens dos níveis superiores do próprio mecanismo evolutivo da mãe natureza.

Vivo sorrateira e solitariamente dentro da Unidade, o próprio ambiente me provem de tudo que eu preciso, os outros não me dizem respeito, e a recíproca se verifica. Parece que existe um instinto coletivo que nos faz reconhecer os ambientes os quais poderemos melhor nos adaptar; como um chamado que urge em todos nós, que não dá margem para divergências, se não existem divergências, não há necessidade para diálogo.

Mesmo com os benefícios dessa “coletividade”, sempre me indaguei sobre qual o real significado desse arranjo se não existe nenhuma empatia entre os indivíduos, como um aglomerado de entes solitários. Essa nossa interdependência me permite usufruir o que os outros podem me oferecer e vice-versa, mas nem por isso eu sei alguma coisa a mais sobre o outro e, conseqüentemente, nem de mim mesmo nesse processo.

Continuar vivendo! Essa parece ser a única meta, mas será que eu é que estou errado em ficar questionando o “status quo”? Será que eu sou o único a levantar tais questões? Bem, é difícil saber, já que todos estão presos em nosso pragmatismo. Não sei se meu pensamento tem alguma relevância. É difícil conjecturar fora de um padrão que é o único conhecido. Vez por outra sinto a necessidade de tentar transmitir este sentimento a outros, mas essa empreitada, além de estranha, não natural, seria sem sentido, uma vez que não existem quaisquer laços entre eu e outros indivíduos. Bem como muitos se vão e nunca retornam e novos sempre aparecem.

Eu nunca havia pensado sobre a minha condição antes de começar a sentir essas diferenças em meu próprio corpo. Concomitante a isso, outras questões começam a surgir. Será que a minha existência terminará em algum momento? Existe algum propósito maior? Continuar vivendo... será mesmo a única meta?

Eu quase posso perceber as respostas. Sinto algo iminente. Um vazio que eu não percebia antes, como se algo irremediável se aproximasse ao qual eu seria apenas um peão ou um mecanismo no fluxo dos acontecimentos.

Mais uma vez! Mas há algo diferente agora. Está mais intenso. Elas vinham me atingindo com mais e mais intensidade, mas nunca algo parecido com isso. Me sinto paralisado. Ao redor percebo as coisas turvas e confusas. Aos poucos vou perdendo meu senso de orientação. Uma sensação nova vem me preenchendo e não consigo mais sentir a Unidade. Parece que vou me desconectando de alguma forma. O que está acontecendo? Será que aquele acontecimento derradeiro de que meus instintos me preveniam está se aproximando?

...

Silêncio e escuridão... Por quanto tempo fiquei fora do ar? Eu ainda não me sinto eu mesmo. Não sei o que acontece ao meu redor. Há algo estranho. Que sensações são essas? Será que elas pertencem a mim mesmo? Sinto meus sentidos desvanecer. Parece que minha consciência está sendo sugada para algum lugar, ou para lugar algum.

Parece que há mais alguém e ele não está sozinho. Será que ainda sou eu mesmo?

1-Eu me percebo.

2-Eu também.

1 e 2-E nós percebemos você.

Estou desvanecendo, sinto que logo não serei mais, mas isso não é mais relevante, pois parece que eu não sou mais único. Preciso não estar mais aqui para que as coisas se renovem. Então isso na verdade não é um fim, mas apenas um reinício. Vida e morte são complementares.

...

1- ...Eu sinto minha existência. Minha intuição agora me permite entender o meu papel dentro da Unidade...

2- ...A Unidade! Agora que estou aqui começo a entender o que devo fazer...

-x-

-Puxa, professor! Viraram dois! Do balacobaco!

-Sim, meu filho. Como eu já havia explicado antes, este é o processo de divisão celular. Ou seja, é como os unicelulares se reproduzem. Tomem cuidado com o microscópio, viu gente?! Lembrem-se que a escola não tem muitos...

( *Raison D’être: Razão de Ser.Conto escrito pelos meus companheiros Marcelo Albinati e Ronaldo de Paula, que fazem Letras comigo na UFSJ )

8 comentários:

Unknown disse...

Excelente trabalho.
Marcelo e Ronaldo,vc's estão de parabéns pelo conto,realmente uma pérola.
Como eu disse p/ vc's,eu li o texto várias vezes para tentar achar as pistas que vc's deixam ao longo do conto.
Parabéns,e esse espaço é de vc's também.
Abração brother's.

Impasse Livre disse...

Uma aparabola, uma metafora, ou simplesemnte um conto intrigante e que te faz ler e reler para captar a mensagem? fico com todas...postagens cada vez mais intrigantes e literatas...muito bom como disse...virei habituê do blog...parabéns!

Clara disse...

Muito, muito, muito bom!
Adorei a forma como nos faz elevar o pensamento, transceder sensações... pra depois nos derrubar à forma mais primitiva de vida!

Parabéns, meninos!

R Lima disse...

Meu amigo,



vim anunciar o fim


Texto de hoje: o fiM...

Visite e Comente... http://oavessodavida.blogspot.com/

O AveSSo dA ViDa - um blog onde os relatos são fictícios e, por vezes, bem reais...

R Lima disse...

e agradecer por tudo...

Cris Penha disse...

Texto de qualidade!!

David Nascimento disse...

O texto está cheio do vazio da fenomenologia-existencial... Não é um texto completo, assim como não deve ser todos os bons textos. Há espaço para completar as lacunas com o uso da imaginação.
Parabéns.

Anônimo disse...

Cara, tava relendo aqui esse texto...

Eu ajudei a escrever isso?!?!?!?!
Às vezes eu releio o que escrevo e tenho a sensação de que aquilo foi feito por outra pessoa...
Isso é esquisito demais!!
Aguardando mais postagens, meu amigo!!

Abração!!